As pessoas são realmente controversas
quando o que está em questão é a sexualidade alheia. Em um mundo ideal,
onde cada um entendesse que ninguém tem nada a ver com o que as pessoas
fazem entre quatro paredes, isso não seria problema, mas a verdade é que
a lesbofobia, a transfobia e a homofobia impedem que os intolerantes
tenham o mais simples dos raciocínios: cada pessoa tem o direito de
fazer o que quiser com relação à própria vida sexual.
O fato é que
a sexualidade humana é muito mais diversificada do que supomos. Não é
apenas uma questão de hetero, homo e bi. Só a escala Kinsey, que é
utilizada como referência nesse sentido, divide a sexualidade em sete
níveis. Além desses níveis, tem o highsexual, que são pessoas
heterossexuais que têm desejos homossexuais quando fumam maconha; e
também a respeito dos g0ys, que são homens heterossexuais que têm
relações sexuais com outros homens, mas sem penetração. E o que dizer de
homens heterossexuais que fazem sexo com outros homens
heterossexuais? Sim, isso acontece.
O Science of Us
abordou a questão recentemente e, de fato, estamos diante de mais um
tabu sexual: como é possível que homens heterossexuais tenham
experiências sexuais com outros heteros e não sejam gays? Simples: da
mesma forma que algumas mulheres têm relações com outras mulheres e nem
por isso se identificam como lésbicas ou se consideram bissexuais. E aí
é comum que algumas pessoas pensem que esses homens são gays que não se
assumiram ainda. Isso acontece porque a sexualidade masculina ainda é
tratada de forma muito rigorosa: ou o cara é heterossexual tradicional
ou é gay.
A professora e pesquisadora Jane Ward, da Universidade
da Califórnia, abordou essa questão em seu livro chamado “Not Gay: Sex
Between Straight White Men”. Na obra, ela nos lembra de que os conceitos
de heterossexualidade e homossexualidade foram definidos há muito mais
tempo, e por isso estamos acostumados com eles – mesmo quem não respeita
os homossexuais entende que o comportamento homossexual existe.
Para
a autora, a concepção da heterossexualidade masculina não é realista.
Ela exemplifica isso ao abordar as relações sexuais que ocorrem entre
homens em presídios, ainda que muitos detentos sejam heterossexuais. E
isso não acontece apenas na prisão. Segundo Ward, esse comportamento é
bastante comum em casas de fraternidade e alojamentos militares.
Os
homens só não admitem porque é realmente um tabu, talvez até para eles
mesmos.Se não causa tanto estranhamento que uma mulher faça sexo com
outra mulher e nem por isso se considere lésbica ou bissexual, por que
não conseguimos ter a mesma visão com relação ao homem que faz sexo com
outro homem e não apenas não se considera gay como ainda se encaixa no
perfil do heterossexual?
A autora nos lembra de que nosso
estranhamento quando estamos diante de algo que foge da
heteronormatividade social não é apenas um ponto de vista conservador,
mas também resultado de uma série de pesquisas científicas e
psicológicas que, ao longo da História, sempre reforçaram a ideia de que
mulheres são seres inerentemente sexuais, disponíveis. Aqui podemos
levar em conta também que por muito tempo esses estudos foram feitos sob
a ótica masculina, o que explica muita coisa.
Essas mesmas
pesquisas sempre consideraram muito mais o homem heterossexual e,
quando muito, o homossexual, então não é de se estranhar que o sexo
entre homens hetero cause tanto espanto. Por isso, para a autora, é
importante falar a respeito de assuntos polêmicos e que, justamente por
causarem polêmica, são mantidos abafados e viram tabus.
Ward
acredita que é tão difícil enxergar outras possibilidades com relação à
sexualidade masculina também porque o homem é sempre descrito como um
ser que age racionalmente e que tem impulsos “impensados” por uma
questão biológica. Quer um exemplo recente? A separação de Ben Affleck e
Jennifer Garner e o suposto rompimento entre Gisele Bündchen e Tom
Brady têm alguns pontos interessantes.
A babá Christine Ouzonian é
apontada como “pivô” do fim dos dois relacionamentos. Ainda que tenha
acontecido realmente alguma traição, as condutas do ator e do jogador
de futebol americano raramente são alvos das críticas; e a babá, por
outro lado, é vista como a única responsável. Por trás desse
julgamento, está a ideia enraizada de que homens são seres que, quando
em “tentação”, não controlam seus impulsos biológicos.
Esse mesmo
raciocínio faz com que as pessoas busquem motivos para justificar um
comportamento sexual masculino que, por ventura, saia dos limites da
heteronormatividade. Nas palavras da autora, “os homens continuam
inventando razões para encostar-se aos ânus dos outros homens”.Ward
avaliou também uma pesquisa realizada na década de 1960, quando o
comportamento de indivíduos que se diziam heterossexuais e que,
inclusive, eram casados, foi estudado.
À época, era comum que
esses homens se encontrassem com outros homens com a mesma identidade
sexual, em banheiros públicos, onde realizavam sexo oral uns nos
outros.Naquele tempo, a conclusão da pesquisa foi a de que esses homens
eram católicos, casados e que não usavam camisinha e também não queriam
filhos. Dessa forma, eles eram forçados a buscar outra forma de
“aliviarem suas necessidades”.
A autora também cita as
brincadeiras muito comumente feitas entre homens heterossexuais,
geralmente usando termos pejorativos como “bicha”, “viado”, “afeminado”
em diálogos que, na verdade, atuam reforçando a heterossexualidade
desses homens que são tão “machos” que até fazem piada com homossexualidade sem o menor problema.
“E
esse é precisamente o argumento que eu faço com relação a como e por
que é possível que essas práticas homossexuais na verdade reforcem a
heterossexualidade, porque elas dão a oportunidade de o homem hetero
mostrar ‘eu sou tão hetero que eu posso fazer isso sem, de fato, ter
qualquer consequência que seja na minha orientação sexual diária, que é
hetero’”, explica a autora.
Outra análise feita no livro é em
relação a anúncios publicados em sites de encontro. Há diversos homens
que fazem questão de dizer que são heterossexuais, mas que estão à
procura de outros caras para algumas experiências sexuais. Nesses
anúncios, Ward reparou que a linguagem é sempre
“hiperheterossexualizada”, e, em alguns casos, o homem já deixa claro
que os dois não vão assistir pornô gay.
Para Ward, não é possível
dizer se esses homens são gays ou não, mas muitos deles deram
entrevistas sobre o assunto e, apesar de participarem de práticas
sexuais com outros homens, se consideram heterossexuais. “O que eu
descobri comparando esses anúncios com os anúncios de homens gays foi
que os anúncios publicados por esses caras heteros incluem não apenas
muita homofobia.
Há muito ‘eu odeio bichas’ e há também muito
foco sobre como eles vão falar sobre mulheres. Eles vão assistir pornô
hetero”, avaliou.A diferença entre homossexuais e homens heteros que
praticam apenas sexo homossexual, para Ward, é principalmente a questão
de identidade. Segundo a autora, os gays se identificam com a cultura
queer, enquanto os heteros não apenas não se identificam como sentem
necessidade de fazer sexo e ter relacionamentos com mulheres.
“Se
falamos a respeito de quem pratica sexo homossexual, nós geralmente
pensamos ‘bem, apenas gays, lésbicas e pessoas que se identificam como
bissexuais fazem sexo homossexual’, mas a verdade é que mulheres
heterossexuais têm muito contato homossexual com outras mulheres, assim
como homens heterossexuais, e isso significa que quase todo mundo
pratica sexo homossexual, então eu acredito que ajudaria se começássemos
a ter consciência de que o desejo homossexual é apenas uma parte da
condição humana”, finaliza a autora.E você, o que pensa a respeito de
toda essa discussão?
FONTE: Mega Curioso e meio Norte
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