Celebridades da TV Globo, além de
cineastas, escritores e músicos do Brasil, foram citados no caso das
contas secretas mantidas no HSBC da Suíça.
Nomes da cultura nacional, ligados a
música, TV, cinema e literatura, estão na lista dos 8.667 brasileiros
relacionados a contas numeradas –cujos donos são identificados apenas
por um código– na agência de “private bank” do HSBC em Genebra, na
Suíça. Os dados dos arquivos se referem a 2006 e 2007, embora algumas
contas já estivessem encerradas nessa época.
Num trabalho de reportagem do UOL em
parceria com o jornal “O Globo”, os citados foram todos procurados e
disseram não ter contas no HSBC no momento ou não ter cometido qualquer
irregularidade.
A investigação mostra também que há
casos de personalidades que receberam dinheiro público para desenvolver
atividades artísticas por meio de leis de fomento –como a Lei Rouanet e o
Fundo Nacional de Cultura. Mas não é possível nem correto fazer uma
conexão entre o dinheiro captado e os recursos que eventualmente
circularam nas contas bancárias na Suíça.
Os arquivos da filial do HSBC em Genebra
foram extraídos em 2008 por Hervé Falciani, que era técnico de
informática do banco. Os dados foram obtidos em 2014 pelo ICIJ
(Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), organização sem
fins lucrativos, com sede em Washington, nos EUA, que firmou parceria
com o jornal francês “Le Monde” para investigar o caso, conhecido como
SwissLeaks. No Brasil, UOL e “Globo” fazem a apuração com exclusividade.
Os dados do HSBC em Genebra indicam que
registros de quatro membros da família de Jorge Amado (1912-2001) na
instituição. Além do escritor, aparecem na lista sua mulher Zélia Gattai
(1916-2008), e os dois filhos: a editora gráfica Paloma e o escritor
João Jorge.
Os quatro integrantes da família Amado
foram titulares da conta 30351 TG, aberta em 25 de janeiro de 2001 e
encerrada em 25 de março de 2003.
Em Salvador, a Fundação Casa de Jorge
Amado funciona com apoio do Ministério da Cultura. Segundo a assessoria
de imprensa da pasta, de 2009 a 2012, a entidade recebeu do Fundo
Nacional de Cultura R$ 477 mil e captou R$ 1,2 milhão via Lei Rouanet,
embora no site do Ministério da Cultura apareça um valor menor captado,
de R$ 622 mil.
A Lei Rouanet permite a empresas
financiarem projetos culturais e deduzir 100% do valor gasto do seu
Imposto de Renda, até o limite de 4% do imposto devido.
Abaixo, os dados das contas no HSBC relacionadas a celebridades:
O cineasta Andrew Waddington, mais
conhecido como Andrucha, também é listado como dono de uma conta
numerada no banco suíço. Sócio da produtora Conspiração Filmes, ele
aparece nos registros dividindo uma conta com seu irmão Ricardo
Waddington, que hoje é diretor da TV Globo. Em 2006/2007, a conta dos
dois não tinha saldo.
Andrucha e Ricardo Waddington foram
titulares da conta 14870 HW, aberta em 7 de março de 1997 e encerrada em
31 de janeiro de 2000.
A Conspiração Filmes, de Andrucha,
captou R$ 13,4 milhões, conforme dados do Ministério da Cultura. O
dinheiro foi liberado para projetos como “Taça do Mundo é Nossa Casseta
& Planeta O Filme”, “Matador” e “Eu Tu Eles”.
O cineasta Hector Babenco aparece
relacionado à conta 1683 JM, aberta em 25 de abril de 1988 e encerrada
em 6 de janeiro de 1992. Sua produtora, a HB Filmes, já captou R$ 16,2
milhões para trabalhos como o filme “Carandiru” e a peça de teatro
“Hell”.
A atriz Claudia Raia, segundo os
registros do HSBC, teve uma conta na agência de Genebra, número 34738
ZES, de 3 de maio de 2004 a 5 de novembro de 2006. Era um depósito em
conjunto com seu então marido, o também ator Edson Celulari. Eles se
separaram em 2010. Na época em que os dados foram extraídos do banco, em
2006/2007, a conta tinha um saldo de US$ 135 mil.
Cláudia Raia, por meio de suas duas
empresas denominadas “Raia Produções”, captou, de 2009 a fevereiro de
2015, um total de R$ 7,4 milhões via Lei Rouanet para os musicais
“Pernas pro Ar”, “Charlie Chaplin” e “Raia 30 Anos”. A responsável pela
produtora é a irmã de Cláudia, Maria Olenka de Fátima Motta Raia.
Já Edson Celulari, por meio da Cinelari
Produções Artísticas, captou de 1997 a 2012 R$ 2,6 milhões para as peças
“D. Quixote de lugar nenhum”, “Fim do jogo”, “Nem um dia se passa sem
notícias suas” e “Dom Juan”.
Na tabela abaixo, o valores captados via
Lei Rouanet pelos artistas brasileiros citados no SwissLeaks. As
imagens foram extraídas do sistema SalicNet, do Ministério da Cultura:
O nome do ator Francisco Cuoco também
está entre os correntistas na Suíça. Ele aparece relacionado a uma conta
no HSBC da Suíça, de número 25403 ZFG, aberta em 11 de setembro de 1994
e ainda ativa em 2006/2007, com saldo de US$ 116 mil.
Cuoco já atuou em peça patrocinada em
2009 pela estatal Eletrobrás, a “Deus é química”, escrita por Fernanda
Torres. Em 2011, também estrelou “Três Homens Baixos” em festival com
apoio da Lei Rouanet.
E ainda há mais duas atrizes nos arquivos do HSBC: Marília Pêra e Maitê Proença.
Marília Pêra está relacionada a
depósitos no HSBC da Suíça por meio da conta 25570 ZGM, aberta em 22 de
fevereiro de 1999 e ativa em 2006/2007. À época, o saldo era de US$ 834
mil.
A empresa da atriz, a Peramel Produções
Artísticas, captou R$ 100 mil via Lei Rouanet para montar e divulgar a
peça “A filha da…”, com a própria Marília em cartaz, que estreou em
2002.
A atriz Maitê Proença está nos arquivos
do SwissLeaks vinculada à conta 15869 HP, aberta em 17 de abril de 1990 e
ativa em 2006/2007, quando os dados foram extraídos do HSBC. O saldo
era de US$ 585 mil.
Sua empresa, a M. Proença Produções
Artísticas, captou R$ 966,9 mil via Lei Rouanet para as peças “Achadas e
Perdidas”, “Isabel”, “A Beira do Abismo me Cresceram Asas” e “As
Meninas”.
Maitê envolveu-se em uma polêmica por
causa de duas pensões recebidas do governo do estado de São Paulo no
valor total aproximado de R$ 17 mil mensais, deixadas por seus pais, o
procurador de Justiça Carlos Eduardo Gallo e a professora Margot
Proença, mortos em 1989 e 1970, respectivamente.
Maitê recebe o benefício porque nunca se
casou oficialmente, no papel. Ela teve as pensões cortadas no final de
2009 por decisão da SPPrev (São Paulo Previdência). O governo alegou que
a atriz não podia mais ser considerada filha solteira de Carlos e
Margot, pois manteve vida conjugal com o empresário Paulo Marinho, com
quem viveu por 12 anos e teve uma filha. Para a SPPrev, sua união
estável deveria ser equiparada ao casamento.
Maitê recorreu à Justiça. Em 2010,
conseguiu restabelecer o pagamento das pensões. Em 2013, a atriz
defendeu o recebimento do benefício e afirmou ao UOL que a pensão era um
“direito adquirido”.
Jô Soares está no acervo de dados vazado
do HSBC identificado como “acteur, journaliste, écrivain &
animateur de télévision sur chaînes TV au Brésil” (ator, jornalista,
escritor e animador de televisão em canais de TV no Brasil).
Apresentador do “Programa do Jô”, de entrevistas, ele aparece
relacionado a 4 contas no HSBC de Genebra, todas já encerradas em
2006/2007. A de número 33540 GG, aberta em 5 de março de 2001 e fechada
em 17 de janeiro de 2003, a 23940 AM, aberta em 9 de janeiro de 1998 e
fechada em 29 de outubro de 2002, a 1514 GG, aberta em 4 de novembro de
1988 e fechada em 25 de março de 1997, e a 1642 GG, aberta em 21 de
fevereiro de 1997 e fechada em 10 de março de 2001.
O músico Tom Jobim (1927-1994) e sua
última mulher, Ana Lontra Jobim, também estão relacionados a contas no
HSBC da Suíça. Ana manteve uma conta conjunta com Tom, número 20282 AC,
de 23.dez.1993 a 7.jun.1995.
Ana também manteve outras 2 contas
relacionadas a seu nome. A número 23015 AB, de 2.set.1995 a 14.fev.1996,
e a conta 23082 AB, de 1.dez.1996 a 23.ago.2005. A Fundação Tom Jobim
já captou R$ 1,7 milhão via Lei Rouanet. O dinheiro foi aplicado em
eventos como a exposição Tom Jobim – Música e Natureza.
O publicitário e empresário Roberto
Medina, idealizador do Rock in Rio, aparece ligado à conta 7853 MA,
aberta em 16 de janeiro de 1990 e fechada em 5 de setembro de 2000 no
HSBC. Conforme informações do Ministério da Cultura, a empresa Rock
World captou R$ 13,6 milhões para a realização do Rock in Rio 2013 e
2015.
Com exceção de Jô Soares e de Ricardo
Waddington, os artistas e intelectuais listados nas planilhas do HSBC de
Genebra receberam dinheiro público para realizar seus trabalhos.
Participam da apuração da série de
reportagens SwissLeaks os jornalistas Fernando Rodrigues e Bruno Lupion
(do UOL) e Chico Otavio, Cristina Tardáguila e Ruben Berta (do jornal “O
Globo”).
Blog do Fernando Rodrigues, Folha de São Paulo
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