Em visita a Fortaleza para falar sobre as dez
medidas do MP contra a corrupção, o coordenador da força-tarefa da
Operação Lava Jato conversou com O POVO sobre desdobramentos da ação e
medidas de combate
Coordenador da força-tarefa do Ministério Público na Operação Lava
Jato, o procurador da República Deltan Dallagnol, 35 anos, classificou a
pena contra condenados por corrupção no Brasil como uma “piada de mau
gosto”.
O procurador viaja pelo País em defesa de um Projeto
de Lei de iniciativa popular com dez medidas para endurecer a punição
contra condutas irregulares com o dinheiro público.
Em entrevista exclusiva ao O POVO,
Dallagnol, que participa hoje de encontro no Ministério Público Federal
no Ceará, discute medidas contra a corrupção. Leia os principais
trechos da conversa.
O POVO - Quando
as investigações em torno do que originou a Operação Lava Jato
iniciaram, o senhor tinha dimensão de que chegaria aonde chegou?
Deltan Dallagnol
- É impossível prever isso. Porque, quando as investigações começaram,
elas se debruçaram sobre quatro organizações criminosas comandadas por
doleiros. Doleiros são lavadores de dinheiro profissional. Eles lavam
dinheiro para todo tipo de criminoso. Então é muito comum em uma
investigação envolvendo doleiros você chegar a pessoas corruptas, é
comum chegar a traficante de drogas. Agora, uma coisa é você chegar a
corruptos e traficantes de drogas, outra é chegar a um volume de
corrupção tal como aconteceu nesse caso. Isso é uma coisa absolutamente
surpreendente.
OP- Acompanharemos ainda muitos desdobramentos da operação?
Dallagnol
- É muito imprevisível. Se nós parássemos de receber novas provas,
novas informações, com acordos de colaboração, nós teríamos ainda pelo
menos um ano e meio de trabalho. Mas isso não tem como acontecer em
princípio. As investigações tendem a se expandir. Se a gente continuar
trabalhando dentro do nosso plano, é possível que a gente continue a
descobrir corrupção em outros órgãos públicos porque o quebra-cabeça que
essa investigação está montando é o quebra-cabeça de loteamento de
cargos públicos em diversos órgãos da administração para angariar ganhos
políticos para governos. E essas pessoas que ocupavam esses cargos
públicos usavam esses cargos com dois objetivos: o primeiro era de
enriquecimento ilícito próprio e o segundo de financiamento de caras
campanhas eleitorais. A gente não está falando da pequena corrupção,
estamos falando da grande corrupção político-partidária e de grandes
empreiteiras. Diversas delas adotaram a corrupção como um modelo de
negócio lucrativo.
OP- Uma das premissas em relação à
delação premiada, muito usada no processo de investigação da Lava Jato, é
o sigilo das colaborações. No entanto, vemos rotineiramente o vazamento
dessas delações.
O que tem sido feito para impedir que isso aconteça?
Dallagnol
- Quando fazemos um acordo, há inúmeras pessoas que têm acesso àquele
depoimento: o advogado do colaborador, o próprio colaborador, pessoas
que praticaram crimes e que estão sendo implicadas pelo colaborador,
investigadores, escrivães, delegado de polícia, servidores do Ministério
Público, pessoas do Judiciário… É de interesse da investigação
mantermos o sigilo para que nós possamos pegar um fato de surpresa
quando, por exemplo, fazemos uma busca e apreensão. Se isso é divulgado,
acaba prejudicando o interesse público, que é conseguir novas provas. Nós teríamos que tentar identificar quem daquelas dezenas de pessoas
colocou aquela informação para frente. Na prática, é muito difícil
conseguir chegar a uma conclusão segura para saber o que aconteceu.
OP- O que o senhor pensa sobre o fatiamento da Lava Jato?
Dallagnol
- Nós respeitamos a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), mas
discordamos dela. Discordamos porque o que estamos fazendo é montando um
quebra-cabeça e, quando você tira um pedaço desse quebra-cabeça e manda
para outro lugar, aquele pedaço perde o sentido. É difícil você ter a
compreensão do que a imagem daquele pedacinho significa sem você olhar o
todo e ver onde ele se insere. Além disso, esse fatiamento pode cair na
vala comum e a vala comum produz, em regra, a impunidade por uma série
de problemas do nosso sistema de justiça.
OP-
O senhor tem afirmado que “o sistema (no Brasil) funciona para não
punir pessoas, principalmente as do colarinho branco”. Por que o senhor
acha que a sociedade brasileira deve acreditar no sucesso da Lava Jato?
Dallagnol-
A Lava Jato é um ponto fora da curva em razão do volume de valores
desviado, que é um absurdo, uma aberração, e em razão da grande atenção
da opinião pública sobre esse caso. O que faz com que todas as pessoas
que atuem nela trabalhem de modo célere para atender a expectativa que a
sociedade está colocando sobre aqueles agentes públicos. Além disso,
existe uma série de outros fatores que contribui para esse sucesso, como
juízes experientes e bons que tenham atuado em primeira e última
instância, equipes de investigação no MP altamente preparadas, a
contribuição da Receita Federal, uma série de particularidades que
tendem a fazer desse um caso diferente. As alterações que nós estamos
propondo na nossa legislação podem repercutir positivamente para que
esse não seja mais um caso que acabe em impunidade. Não acreditamos que
isso vá acontecer.
OP- A corrupção aumentou
nos últimos anos ou as instituições ficaram mais sólidas tornando as
investigações contra corrupção mais autônomas e eficientes?
Dallagnol
- Nós não podemos afirmar que a corrupção aumentou. O que aconteceu a
partir de 1988 foi o amadurecimento das nossas instituições. Tivemos um
amadurecimento das nossas legislações, algumas leis nos permitiram
aprofundar investigações, como a lei de interceptações telefônicas, da
lavagem de dinheiro, do crime organizado. Existe um estudioso brasileiro
que lançou a primeira coletânea sobre corrupção. Ele contou que, na
década de 1990, houve 88 escândalos de corrupção apenas na área federal.
Nós, brasileiros, não podemos ter memória curta. A corrupção é de muito
tempo atrás. A corrupção é um fruto do nosso sistema, não se trata de
uma maçã podre na cesta.
OP- O senhor tem
afirmado que não se resolve o problema da corrupção mudando governantes.
As 10 medidas contra a corrupção encampadas pelo MP podem ser ma saída?
Dallagnol - Com certeza.
A
corrupção no Brasil não é um problema de um partido A ou partido B, de
governo A ou de governo B. A corrupção é um problema de um sistema que
favorece. As análises mais modernas sobre a corrupção apontam que o
agente que pratica a corrupção analisa os custos e benefícios da decisão
que ele está tomando. Ele olha para o valor que ele vai conseguir
desviar dos cofres públicos e olha para a perspectiva de punição. O
problema é que, no Brasil, os benefícios existem e os custos não
existem, influenciando, assim, para que a pessoa pratique atos de
corrupção. O que nós precisamos fazer é ter instrumentos para recuperar
os valores desviados dos cofres públicos, ou seja, retirar os
benefícios. Precisamos alterar a legislação para que haja uma punição e
para que ela seja efetivamente aplicada. Essas medidas têm três eixos
fundamentais: a prevenção, a punição adequada para o crime cometido e
oferecer instrumentos para recuperação do dinheiro desviado.
OP- A pena é branda?
Dallagnol
- A pena é uma piada de mau gosto, desproporcional em relação à
gravidade do crime e ao mal que a corrupção causa. A pena mínima parte
de dois anos. Isso significa que uma pena de corrupção dificilmente
passará de quatro anos. Uma pena inferior a quatro anos é executada em
regime aberto. A pessoa fica livre, leve e solta durante o dia e à noite
deveria se recolher em uma casa de albergado. Mas no Brasil não temos
dinheiro para construir uma casa dessas e pessoa fica livre à noite sem
qualquer supervisão.
Perfil
Procurador da República desde 2002, Deltan Dallagnol, 35 anos,
dá palestras e leciona sobre o assunto.
Formado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), fez mestrado na escola de Direito de Harvard, nos Estados Unidos.
Ao
ingressar no Ministério Público Federal com 22 anos, se tornou o
segundo procurador mais jovem a ser admitido no órgão.
No
mesmo ano, foi aprovado em concurso para juiz substituto no Paraná e em
primeiro lugar em concurso para promotor de Justiça.
Possui
mais de 200 horas de cursos sobre lavagem de dinheiro, corrupção,
evasão de divisas, técnicas de denúncia e outros assuntos.
Fonte: O Povo

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