O padre polonês Krysztof Charamsa, de 43 anos, compre sacerdócio há 17 anos e causou alvoroço dentro e fora do Vaticano após se declarar homossexual e apresentar seu companheiro, o catalão Eduard Planas, em Roma.
Para
o anúncio, o padre escolheu uma data estratégica: dia 3, véspera do
início do Sínodo de Bispos, reunião em que líderes da Igreja Católica
discutem, até 24 de outubro, questões relacionadas à família.
Ele
defendeu o anúncio naquele momento por acreditar que "um sínodo que quer
falar da família não pode excluir nenhum modelo familiar. Homossexuais,
lésbicas e transexuais têm direito ao amor e a construir
famílias". Charamsa também tornou público seu "Manifesto de liberação gay", no qual pede o fim da discriminação de pessoas homossexuais por parte da Igreja Católica.
Após
o anúncio, o padre Charamsa foi afastado de seu trabalho como
funcionário da Congregação para a Doutrina da Fé, em que também era
secretário-adjunto da Comissão Internacional Teológica. Além disso, foi
demitido das duas universidades católicas em que dava aulas, em
Roma. Apesar das consequências imediatas, afirma que sente aliviado.
"Sou um padre gay e estou feliz em poder dizer isso abertamente",
declara.
Após
anunciar sua homossexualidade, o senhor tem recebido demonstrações de
apoio e críticas. Como vê a repercussão da sua declaração?
Krysztof Charamsa –
Por parte do Vaticano, a consequência foi automática. Perdi meu
trabalho na Congregação e nas universidades pontifícias. Por outro lado,
tenho recebido palavras de conforto, apoio, gratidão e relatos de
pessoas que se sentem identificadas e liberadas com meu gesto. Admito
que foi um gesto dramático, quase de desespero diante de uma igreja que
considero homofóbica, cheia de medo e ódio. Eu vivi o pesadelo da
homofobia da minha igreja.
Por que o senhor diz que a igreja é homofóbica?
Charamsa
– Porque ainda não é capaz de encarar a realidade, não deu o passo dado
pela medicina e leis de alguns Estados. Não há nada o que curar na
homossexualidade, não é delito ser homossexual. Não se pode viver toda a
vida no armário, numa quase esquizofrenia de não aceitação de si mesmo.
Você não pode imaginar o sentimento de culpa de um gay crente! A
mentalidade cristã fundiu em nós que ser homossexual é pecaminoso e
diabólico.
Qual é o desafio da Igreja Católica para atrair esse coletivo?
Charamsa
– A igreja não faz nada para atrair essas pessoas! Eu trabalhava na
Congregação para a Doutrina da Fé, que preparou, de 1975 até hoje,
quatro documentos sobre a homossexualidade. Todos se referem aos
homossexuais em termos negativos, não à luz da ciência moderna. Os
documentos dizem que todo desejo ou ato homossexual não é humano. Como
se pode falar assim de uma grande comunidade que sempre existiu em cada
época da história?
Quando o senhor decidiu que era o momento de dizer ao mundo que é gay?
Charamsa
– Sair do armário é um processo difícil e longo, mas hoje vejo o quanto
foi necessário e salvífico para mim, me fez feliz, me fez forte. Ao
tomar essa decisão, pensei também nas pessoas que por anos vivem em um
armário de medo e de ódio.
Por que resolveu fazer esse anúncio justo às vésperas do início do Sínodo de Bispos?
Charamsa
– Eu queria chamar a atenção da minha igreja que um sínodo que quer
falar da família não pode excluir nenhum modelo familiar. Homossexuais,
lésbicas e transexuais têm direito ao amor e a construir famílias. Mas
até agora o assunto foi marginalizado e estigmatizado.
O sr. acredita que a Igreja Católica admitirá o sacerdócio sem celibato?
Charamsa
– Isso certamente acontecerá. Diferente da igreja latina, na oriental
um padre pode escolher ser celibatário ou casado. Celibato não é uma
verdade de fé, é uma disciplina, uma imposição. Vamos em direção a um
celibato opcional, muito mais saudável.
No Brasil, o
Congresso discute o Estatuto da Família, que delimita o conceito de
família para homem, mulher e filhos. Até que ponto a igreja influencia
discussões desse tipo?
Charamsa – A
igreja é uma autoridade mundial e em países latino-americanos sua
influência é muito forte, mas pode ser fonte de profundo sofrimento. A
igreja tem a ideia falsa de que homossexuais não podem formar família.
Acredita que só buscam sexo. Isso é horrível. Não somos maníacos que
buscam prazer sexual, somos humanos que buscam amor.
Nos últimos anos, a Igreja Católica no Brasil tem perdido fiéis para outras igrejas. Qual o desafio diante desse êxodo?
Charamsa –
No Brasil, algumas comunidades evangélicas deram um passo importante
para entender os homossexuais. Na Europa, entre anglicanos e
evangélicos, já há um pensamento mais adequado sobre homossexualidade. A
ética sexual necessita de uma profunda revolução, adequada a uma nova
consciência de humanidade e sexualidade.
O senhor disse
que lhe emocionaram as palavras do papa Francisco, voltando de uma
viagem ao Brasil, quando afirmou: "Quem sou eu para julgar um gay?". Por
que lhe marcou?
Charamsa – Estou muito
agradecido ao papa Francisco, ele é um verdadeiro homem de Deus. As
pessoas veem sua transparência, sua verdade, querem escutá-lo. O papa
Francisco disse essa frase, mas na igreja há uma instrução de 2005 que
julga todos os gays e contradiz suas palavras.
O senhor escreveu ao papa para explicar a declaração que faria. Acha que ele vai responder sua carta?
Charamsa –
Não sei. Mas comuniquei ao papa Francisco meu estado de ânimo, de alma,
de coração. Pedi que a reunião de bispos que ele preside possa discutir
não somente a família heterossexual, mas todas as famílias.
Acha que a igreja vai proibi-lo de exercer o sacerdócio?
Charamsa – Sim, é possível.
Que planos o senhor tem? Pensa ser ativista dos gays católicos?
Charamsa
– Ainda não sei, mas penso servir os valores da minha vocação. Sou um
padre chamado por Deus como homossexual. Quem viveu tanto tempo no
armário precisa de uma palavra de aceitação, esperança, reconhecimento
de sua dignidade. Esta é a mensagem do cristianismo: o que podemos dar a
esse mundo senão o amor?
Fonte: G1
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