A imponente Escola de Ensino Médio Augustinho Brandão, no município
de Cocal dos Alves (286 km de Teresina), estava com o portão fechado e
sem o alarido tradicional dos colégios de crianças e adolescentes. O
silêncio é de um mosteiro e não há movimentação de alunos, o que é
normal no mês de julho, tempo de férias.
O que surpreende é a
chegada de estudante do segundo período do curso de Matemática da
Universidade Federal do Piauí (Ufpi), Antônio Wesley de Brito Vieira, de
17 anos, que avisa que dentro da escola tem alunos, sim, se preparando,
nas férias, para a segunda etapa da Olimpíada Brasileira de Matemática
das Escolas Públicas (Obmep) 2015, que vai ocorrer no dia 12 de
setembro.
A maratona de estudos começa às 7h e vai até as 12h e
dentro de duas salas e da biblioteca do colégio um grupo de estudantes
de anos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio se empenha com
professores da escola e com reforço de professores do Departamento de
Matemática da Ufpi, ex-alunos da escola, para que os estudantes de Cocal
dos Alves continuem batendo recorde de medalhas, como ocorreu no ano
passado.
Cerca de 350 mil alunos do Piauí participaram da 10ª
Obmep, em 2014, trazendo diversos títulos para casa. É um resultado
impressionante para um município, cujo Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) é um dos 50 mais baixos do país e onde cerca de 95% da população
vive do Programa Bolsa Família.
Os
estudantes se dedicam aos cálculos e conceitos de Matemática para
mudarem de vida e têm nas Olimpíadas o caminho para melhorarem de vida e
ganharem bolsas que seguirão toda as suas vidas acadêmicas. Os alunos
que ganham medalhas de ouro, prata e bronze ganham bolsa de R$ 100,00
por mês para ajudar nos gastos com os estudos; quando são aprovados em
universidades e faculdades ganham bolsa de R$ 500,00 por mês; os que
fazem mestrado ganham R$ 1,5 mil por mês. As bolsas vão até o doutorado.
O
professor de Matemática, Antônio Cardoso do Amaral, de 35 anos, que foi
homenageado este ano pela Obmep, pelo trabalho que realiza em Cocal dos
Alves, conta que cada estudante que passou pela Olimpíada de Matemática
das Escolas Públicas tem uma história bonita de superação, seja a dos
que estão cursando doutorado no Instituto de Matemática Pura Aplicada
(Impa), os que estão estudando Medicina e Engenharia e os que estão
começando a lutar por medalhas agora, ao chegarem no Ensino Médio.
“Tem-se
uma ideia de que o grupo é isolado e não é. O grupo é heterogêneo. São
os alunos que querem vir estudar durante as férias, eles são bastante
interessados, bastante entusiasmados. Isso é admirável porque eles vêm
de longe, vêm de moto; tem menino aqui que percorre de 15 a 16
quilômetros para estudar na preparação para a Olimpíada, e como o
período de recesso é pequeno, e para não atrapalharmos o horário
escolar, os estudantes estão no colégio durante toda a semana. Eles
correspondem bem, um ou outro falta, mas na maioria dos dias todos estão
presentes”, falou o professor Amaral.
Competições são resultado de dedicação dos alunos e professores
Hoje,
os alunos de Cocal dos Alves fazem Olimpíada de Química, de Física, de
Robótica, de Português, de Informática, de Mobifog, de construção de
foguetes, e qualquer concurso que aparece. “O professor Antônio Amaral
diz que a gente disputa até corrida de saco”, define Pedro Henrique
Portela, de 12 anos, e estudante do 7º ano do Ensino Fundamental.
Em
2005, quando o professor Amaral e os estudantes de Cocal dos Alves
participaram pela primeira vez da Obmep, conseguiram classificar 25
alunos na fase final, levaram 17 prêmios, entre medalhas e menções
honrosas.
Animados com o resultados, professores e estudantes
agora batem recorde de medalhas. “Nesses dez anos, nesse período de
férias sempre ficamos nos preparando para participar da Olimpíada. O que
nós fazemos é aproveitar bem esse programa da Obmep. Não é só uma prova
de múltipla escolha e, três meses, uma prova discursiva. Esse período
de preparação acaba por dar uma bagagem muito extensa em Matemática e
quando chegam na universidade, os professores dão depoimento dizendo que
são os melhores estudantes que já receberam no curso e, com certeza,
esses estudantes não vão ter dificuldades de passar nos cursos de
pós-graduação”, afirmou Antônio Amaral.
Das competições surgem profissionais promissores
Do
programa Obmep tem professores da Universidade Federal do Piauí,
ex-aluno fazendo doutorado em São Paulo, ex-aluno fazendo doutorado no
exigente Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa).
A
trajetória dos amantes de Matemática é de sucesso. Os alunos da escola
fazem todas as Olimpíadas que aparecem pela frente, sempre com bons
resultados. Foi da Escola de Ensino Médio Augustinho Brandão que saiu
Izael Francisco de Araújo, campeão do “Soletrando”, o quadro do programa
“Caldeirão do Huck”, em 2011. Hoje, o rapaz estuda o quarto período do
curso de Medicina na Universidade Estadual do Piauí (Uespi), para onde
passou ainda estudando o segundo ano do Ensino Médio.
Outro caso
de sucesso é o de João Francisco Rocha Filho, um aluno acima da média,
de origem muito humilde, que sonhava em estudar Engenharia Civil, mas
sequer tinha luz em casa. A família só teve energia quando chegou na
zona rural de Cocal do Alves o Projeto Luz para Todos. Hoje, João
Francisco cursa Engenharia na Universidade Estadual do Piauí.
“Por
esses caminhos que já foram trilhados, basta o menino querer. Ele pode
percorrer tudo isso. Existem bons exemplos de êxito e o balanço é
positivo. Pelo sucesso dos que aqui passaram e porque pensamos que
estamos fazendo o que precisa ser feito, temos a sensação de que
precisamos aumentar, melhorar, conseguir mais recursos. Em geral, nós
ficamos muito alegres porque estamos conseguindo avançar”, define o
professor Antônio Amaral.
Competição muda realidade de alunos
Os
240 alunos da Escola de Ensino Médio Augustinho Brandão são todos
envolvidos com a competição, sendo que 35 participaram do treinamento e
24 estão participando da fase final da Obmep. “Se não fosse a Obmep, eu
teria estudado até o 7º ano do Ensino Fundamental e viajado para arrumar
trabalho em um grande centro urbano, como fizeram tantos parentes,
amigos e conhecidos. Meus pais são lavradores, eu estudava por estudar,
sem nenhuma meta ou pensando em chegar na universidade”, diz Jean Carlos
Souza de Brito, de 21 anos, que conquistou seis medalhas (duas de
bronze, duas de prata e duas de ouro) e está estudando o curso de
Matemática e, nas férias, está preparando os alunos da Escola de Ensino
Médio Augustinho Brandão para a Olimpíada.
Filho de lavradores e
morador de um povoado chamado Chafariz, Jean Carlos trabalhava de manhã e
ia para a escola à tarde e repetiu de ano três vezes, pois tinha que
trabalhar. Agora, como ganhou bolsa de iniciação científica, pode se
dedicar integralmente aos estudos. “Sempre gostei de Matemática, mas não
sabia que tinha potencial.
Foi
o professor Antônio Amaral que enxergou essa habilidade em mim. Minha
vida mudou e agora estou retribuindo o que o professor fez pela gente e
isso é muito gratificante. A Olimpíada é o motivo pelo qual estou na
universidade. Eu sentia que não fosse capaz de chegar lá. Melhorou minha
autoestima. Eu passei a acreditar em mim porque consegui medalha com
pessoas que já estavam no topo”, falou.
Para Sandoel de Brito
Vieira, o talento para os números não apenas abriu novas possibilidades,
como lhe garantiu uma vaga na Universidade Federal do Piauí, justamente
na faculdade de Matemática. Filho de um trabalhador autônomo e uma dona
de casa, ele tem uma menção honrosa, dois bronzes e três ouros na
Obmep. “Antes de começar a disputar as Olimpíadas, eu tratava a
Matemática como outra matéria qualquer. Mas o professor Amaral tratava o
assunto quase como uma brincadeira e não como mais um enfadonha
disciplina da grade escolar”, disse Sandoel de Brito Vieira.
Sandoel
de Brito Vieira vai fazer pós-graduação em Matemática, mas Marilene
Magalhães de Brito, de 22 anos, preferiu Nutrição. Também é aluna da
Ufpi. Na Obmep, a filha de agricultores hoje aposentados conquistou uma
prata e dois bronzes. “A Olimpíada mudou a minha forma de acreditar no
futuro: entendi que é possível conseguir o que se deseja estudando. Sem
falar que foi uma contribuição enorme no meu crescimento acadêmico e
pessoal”, falou.
O futuro engenheiro Fernando Vieira, também
aluno da Ufpi, é outro que só guarda boas recordações dos tempos de
escola. Participou das seis primeiras edições da Obmep e levou três
bronzes, duas pratas e um ouro. Mas, curiosamente, lá no comecinho, ele
nem era assim tão fã do professor Amaral. “No início, nossa relação era
mais de professor e aluno, mas com o tempo, foi mudando. E, hoje, somos
amigos bem próximos. Ele foi quase um pai para mim. Eu era bom com
números, mas só despontei mesmo com as Olimpíadas. Tudo que tenho na
vida devo à Obmep e ao professor Amaral”, testemunha.
Ex-aluno volta a Cocal dos Alves para incentivar jovens estudantes
Professor
do Departamento de Matemática da Ufpi, Vitaliano de Sousa Amaral, é
ex-aluno da Escola de Ensino Médio Augustinho Brandão, de Cocal dos
Alves, e volta, nas férias, para ajudar os jovens estudantes a
conquistarem medalhas na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas
Públicas (Obmep). Vitaliano Amaral, que tem mestrado em Matemática,
ganhou uma medalha de bronze na Obmep de 2007, na primeira edição com a
participação dos estudantes de Cocal dos Alves.
“Oficialmente, eu
estou de férias na Universidade Federal, mas agora os estudantes de
Cocal dos Alves estão se preparando para a segunda fase da Obmep e a
gente dá conteúdo e os prepara para os exercícios. Nós os preparamos em
conteúdo, mas também em relação ao tempo, porque as provas têm quatro
horas a quatro horas e meia de duração. Eu volto para orientar aos
estudantes porque eu devo muito a esse colégio e ao professor Amaral”,
disse o jovem.
De acordo com ele, foi o incentivo que recebeu na
escola que o fez focar nos estudos e superar até mesmo a distância.
Vitaliano morava 15 quilômetros distante da escola e estudava de dia e
trabalhava à noite. “Eu estudava por estudar, estar no Ensino Médio já
era para mim onde eu podia chegar, não pensava em universidade. Agora,
os estudantes já sabem o que querem fazer, o que querem estudar e eu
estou aqui para ajudá-los”, afirmou Vitaliano Amaral.
Filhos de lavradores pedalam 7 km em busca de uma vida melhor
Os
irmãos Anderson da Silva Brito, de 14 anos, Jeferson da Silva Brito, de
13 anos, estudantes do 7º ano do Ensino Fundamental, e Márcio da Silva
Brito, de 12 anos, saem diariamente às 6h30 de sua casa no povoado
Baixão de Cima, na zona rural de Cocal dos Alves. Eles pedalam por sete
quilômetros e chegam à Escola de Ensino Médio Augustinho Brandão a tempo
para as aulas, que começam às 7h30 e terminam às 17h30. Depois, fazem a
mesma viagem de volta.
Essa rotina também se repete no período
de férias porque Anderson, Jeferson e Márcio estão se preparando para a
Olimpíada de Matemática e pensam em estudar bastante para sair da vida
humilde a que estão submetidos os seus pais, os trabalhadores rurais
Francisco das Chagas e Ioneide Alves da Silva. Anderson da Silva disse
que, no ano passado, estudou bastante, mas só ganhou Menção Honrosa na
Obmep, mas agora quer ganhar medalha. “Uma medalha de Matemática vai ser
importante para minha vida estudantil. Assim, eu posso garantir uma
bolsa na universidade”, afirma Anderson da Silva Brito.
Jeferson
da Silva Brito não conseguiu uma medalha, mas luta para conseguir. “Eu
fiquei muito triste e agora estou estudando mais. Nós três estudando
muito pensando em ganhar uma bolsa para a faculdade, arrumar um bom
emprego e ter uma carreira”, fala Jeferson Brito.
Na casa dos
três adolescentes não tem computador ou tecnologia. Anderson e Jeferson
afirmam que já conseguem ajudar os pais em contas na venda da carne dos
animais que criam e abatem e querem, com os estudos, uma vida melhor do
que têm seus pais agricultores. “Queremos ter uma vida melhor e não
vamos conseguir isso sem muito esforço, estudo e dedicação”, ensina
Jeferson da Silva Brito.
A mãe Ioneide Alves da Silva recebe os
três filhos em casa, confiantes do futuro dos filhos. “Somos pobres e
ficamos preocupados com o destino de nossos três filhos e, graças a
Deus, eles sabem que se não investirem com firmeza na educação, não
terão melhores oportunidade do que a gente, que não estudou”, fala
Ioneide Alves da Silva.
Fonte: Meio Norte
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