É que se alguém quiser se aproveitar da situação para comprar a Globo encontrará a seu favor o mais arrogante, mais pretensioso, mais insolente grupo de “formadores de opinião” como nunca se viu antes na história deste país, e com poderes ilimitados.
Isso porque os donos são ausentes ou incompetentes, e nada trava a libertinagem televisiva e jornalística que se enfia goela baixo do cidadão daqui e do exterior, todos os dias, num exercício jamais observado de manipulação política pela via da emoção.
Há dois patamares no caminho da Globo para o fracasso:
O primeiro é o Jornal Nacional, ligeiramente mais discreto na sua
cruzada diária pela desinformação. Conduzido por William Bonner, que
lembra um propagandista de sabonete, traz sempre uma mistura bem
preparada de fatos e emoção direcionada para a busca de telespectadores a
qualquer custo, mesmo quando esse custo significa subverter a verdade.
A distorção a favor dos ricos é limitada apenas pelo medo de perder
audiência no horário nobre, na medida em que grande parte dela é de
famílias pobres beneficiárias dos programas sociais do PT.
É no Jornal da Globo, contudo, que os noticiaristas e
comentaristas da Globo saem do armário. Aí a manipulação da opinião
pública passa a ser um jogo aberto. Começa com a figura burlesca de
William Wack anunciando todas as pragas do Egito sobre o Brasil. Ele
tem, como o JN, prazer em noticiar tragédias, coisas que comovem.
Mas, com muitos graus de emoção sobre o Jornal Nacional, despeja na
audiência, formada sobretudo por gente de classe média que não tem
compromisso com horário no dia seguinte, o que essa audiência enviesada
quer ouvir na sua sanha lacerdista de apelos hipócritas contra a
corrupção.
Mas William Wack é um casca grossa: manipula o noticiário de acordo
com suas preferências pessoais, acrescentando ao sabor da notícia
deformada esgares de palhaço de circo.
Cabe a Sardenberg um papel aparentemente mais sutil, como me
observou Jânio de Freitas, o maior jornalista político do Brasil em
atividade, já que ele é mais venenoso por divulgar os conceitos da economia política favoráveis aos ricos
dentro de uma carcaça insidiosa de neutralidade técnica, como todo bom
charlatão. Ele agrada aos poderosos e ao mesmo tempo engana os pouco
pobres que resistem a assistir a tevê até de madrugada.
O Jornal da Globo tem, portanto, uma interação intelectual e moral
afetiva com ricos e poderosos. Sua eficácia, conforme Marx, está no fato
de que a ideologia da sociedade é a ideologia da classe dominante.
Quando a classe dominante dispõe inteiramente da mídia, sem concorrência
– porque, no campo da ideologia, a quase totalidade dos maiores
jornais, revistas e tevês está do lado e de mãos dada com uma direita
sórdida e indiferente aos destinos da sociedade -, o campo político fica
inteiramente aberto, inclusive para golpes brancos.
Poderia continuar enchendo laudas e laudas de adjetivos contra a dupla
do Jornal da Globo e contra outra dupla igualmente perniciosa para a
democracia, os comentaristas do jornal Globo Míriam Leitão e Merval
Pereira.
Este não merece muita tinta, porque é apenas ignorante – na acepção
semântica da palavra. Míriam, porém, como Sardenberg, é astuta. Passa a
ideia de que sabe economia, quando o que realmente sabe é identificar
economistas de direita, como ela, e dar-lhes espaço franco em sua coluna
diária e sórdida na Globo News.
O noticiário econômico brasileiro, de jornal e de tevê, está dominado
por entrevistas e artigos de economistas de banco. Galbraith, com sua
fina ironia, dizia que não se sentia à vontade para acreditar em
opiniões econômicas de quem tem interesse próprio em jogo.
A rede Globo e os jornalões, assim como as revistas semanais (exceto
Carta Capital), apoia seu noticiário econômico em economistas de banco
com o maior descaramento. Assim, são os economistas de banco que estão
fazendo a cabeça de milhões de brasileiros sobre economia.
Trabalhei anos na editoria econômica do Jornal do Brasil, de que fui
subeditor, e jamais entrevistei um economista de banco. Trabalhei anos
como repórter econômico da Folha de S. Paulo e jamais entrevistei, para
publicação, um único economista de banco. Agora são esses economistas
que dominam o noticiário econômico com seus próprios interesses.
Acaso é esse tipo de liberdade de expressão e de opinião publicada que
interessa ao Brasil? Ou é o momento em que se deve pensar em dividir o
monopólio do Globo e fomentar um novo jornal no Rio para o Brasil?
P.S. Não é do meu estilo fazer ataques pessoais. Entretanto, o Sistema
Globo foi dividido em três capitanias, uma para cada herdeiro, e as
capitanias em sesmarias, cada uma sob o comando de um jornalista no caso
do Departamento de Jornalismo.
Assim, não adianta falar, quando se trata de formação de ideologia, de
um sistema global. É preciso identificar pessoalmente os donos das
sesmarias jornalísticas, como procurei fazer. Não fosse tão grande o
Sistema Globo, amainaria minhas críticas. Como é grande demais, e eu
muito pequeno, pode perfeitamente suportar o choque!
*Jornalista e economista, doutor em Engenharia de Produção pela
Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre a Economia Política
brasileira, dos quais o último é “A Razão de Deus”.
(via CartaMaior)
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