À primeira vista, parece que uma coisa não combina com a outra. Cocal
dos Alves, cidade do interior do Piauí, está entre as 30 cidades com o
pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país. De 0 a 1, o
município tem índice 0,498, na posição 5.535, entre 5.565 cidades.
Ao mesmo tempo, Cocal dos Alves possui uma das mais premiadas escolas
públicas do país, campeã em diversas olimpíadas do conhecimento e com
inúmeras aprovações em vestibulares de universidades públicas do Piauí. A
escola de ensino médio Augustinho Brandão foi considerada a instituição
estadual com a maior média no Enem 2012 em todo o Estado -- o resultado
do Enem 2013 por escola ainda não foi divulgado.
Como pode uma escola pública ter tantos casos de sucesso em olimpíadas e
vestibulares em um local tão carente e desprovido de ajuda? Assim como
tudo nesta história, a resposta é ao mesmo tempo simples e um tanto
complexa. No caso da escola Augustinho Brandão bastou juntar um grupo de
professores cheios de vontade de mudar uma cruel realidade social.
"São 12 anos de estrada. Em 2003, éramos um grupo de jovens professores
que simplesmente começou a trabalhar de maneira séria", explica a atual
diretora da escola, Aurilene Vieira Brito.
Ao mesmo tempo que implantaram um trabalho intenso em sala de aula, eles
foram atrás de qualificação e conhecimento para ensinar – e
posteriormente cobrar – os alunos. Tudo isso, enquanto se viravam para
lecionar em uma escola sem estrutura.
Em pouco tempo, os professores começaram a notar a diferença. É verdade
que, com um ensino mais puxado, as cobranças também se intensificaram.
No começo, alguns alunos chegaram até a cogitar desistir da escola, por
causa da dificuldade. Mas, algo os motivou a continuar.
Dois anos depois da mudança de mentalidade e de metodologia, um dos
professores decidiu inscrever alguns alunos da escola em uma competição
de matemática, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas
(Obmep).
"Nossos alunos arrebentaram. A Obmep serviu como avaliação do nosso
trabalho. Um termômetro que nos mostrou que estávamos no caminho certo",
afirma Aurilene.
O professor responsável pela aventura que acabou se tornando um dos
maiores casos de sucesso de uma escola no país se chama Antonio Amaral.
Quando conversou com a reportagem do UOL, ele estava no Rio de Janeiro,
gravando um vídeo de resoluções da última prova da Obmep, a convite da
organização da olimpíada.
"Todos os anos, conseguimos premiar quase todos os alunos que participam
da Obmep. Mais do que menções honrosas e medalhas de bronze, que
mostram que estamos entre as melhores escolas do Piauí, já conquistamos
também várias medalhas de prata e ouro, o que prova que nossos
estudantes conseguem competir com outros de escolas de todo o país",
disse Amaral.
Após o sucesso na OBMEP, com 153 premiações até o momento, a escola
começou a inscrever seus estudantes em outras olimpíadas, e já obteve
êxito em competições de química, física, robótica, entre outras.
A escola Augustinho Brandão, no Piauí, já conquistou várias medalhas em olimpíadas |
Segundo Aurilene, toda esta dedicação dos professores e alunos é pouco
recompensada pelo Estado. A preparação para as olimpíadas é feita "na
raça", depois do horário de aula, por professores que não recebem nem um
centavo a mais para isso.
"Nós preparamos aulas extras nos finais de semana que antecedem as
olimpíadas para treinar os alunos. Até o lanche que servimos sai do
nosso bolso. Se tem resultado, é porque damos a cara a tapa. De cima
para baixo, nada acontece", desabafou.
Vestibular
Apesar do ótimo desempenho na Obmep, o maior motivo de orgulho da escola é o bom resultado em vestibulares.
Os vestibulandos da Augustinho Brandão têm entre 70 e 80% de aprovação.
Em 2010, segundo a diretora, todos os alunos que prestaram vestibular
passaram. Até hoje, três estudantes foram aprovados no curso de
medicina. O sucesso é tanto que, em Teresina, capital do Estado, existe
uma república de estudantes formada somente de ex-alunos do colégio de
Cocal dos Alves.
São esses estudantes que saem para estudar na capital que incentivam
quem está entrando agora a se dedicar no ensino médio. São eles, também,
que estão começando a mudar o panorama de pobreza do município.
"O psicólogo e o fisioterapeuta da cidade são ex-alunos nossos. Esses
profissionais viram exemplos para quem está agora na escola. Mesmo quem
ainda não se formou, mas está em um curso de ponta, já é visto como
alguém que mudou de vida na cidade. Alguém que ascendeu socialmente",
contou o professor Amaral.
Antigamente, o grande objetivo dos estudantes de Cocal dos Alves era se
formar no ensino médio para tentar a vida no Rio de Janeiro. Agora, os
jovens almejam ir para a capital do Estado se formar para, depois,
retornarem à cidade natal em busca de melhorar a vida da população,
contam os professores.
"Um de nossos orgulhos é um estudante que está no oitavo semestre de
engenharia civil na UFPI [Universidade Federal do Piauí], em Teresina.
Ele era um aluno bom, dedicado, mas extremamente carente. Só
recentemente, sua casa recebeu luz elétrica graças a um programa do
governo federal", disse Amaral.
Fonte: UOL Educação
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