Em atuação abaixo da
crítica, Seleção vê baile do timaço alemão no Mineirão, numa tarde
inesquecível, com direito a recorde de Klose
Daqui a 10, 20, 50 anos, dirão aos brasileiros que a Seleção, lá atrás em 2014, perdeu uma semifinal de Copa do Mundo para a Alemanha, em casa,
por 7 a 1. Esse texto é para quem era garotinho ou nem sequer havia
nascido na época. Tomara que o encontrem na internet e tentem entender o
que nenhuma palavra pôde explicar aos que estiveram no Mineirão, em
Belo Horizonte, ou aos 200 milhões que viram, de alguma forma, o
massacre imposto por uma das grandes equipes daqueles tempos a um time
absolutamente entregue à pressão e à ausência do craque Neymar.
Neymar era o melhor jogador
daquela geração brasileira, mas teve uma vértebra fraturada nas quartas
de final, contra a Colômbia, numa joelhada de Zuñiga. O Mineirão, na
tarde de 8 de julho, não viu o atacante, mas viu Miroslav Klose
chegar a 16 gols e bater o recorde de Ronaldo como maior artilheiro das
Copas. Viu Schweinsteiger, Khedira, Kroos, Özil e Müller, em exibições
exuberantes, decretarem a maior humilhação brasileira na história do
torneio, em atuação abaixo da mais destrutiva das críticas.
Menino chora muito e ganha um beijo no rosto: tristeza histórica (Foto: Eduardo Nicolau / Agência estado)
Aquela Seleção disputou o
Mundial sob o peso de se livrar do fantasma do Maracanazo. Sim, há mais
tempo ainda, em 1950, o Uruguai quebrou o favoritismo brasileiro na
final da Copa e venceu por 2 a 1. Os jogadores daquele time,
simbolizados pelo goleiro Barbosa, jamais se livraram da tragédia. O
“Mineirazo” de 2014 soa como um pedido oficial de desculpas aos vice-campeões do mundo.
Luiz Felipe Scolari era o técnico.
Com o respaldo de três semifinais em três Copas disputadas e do
pentacampeonato conquistado em 2002. A escolha dele por Bernard, menor e
mais novo jogador
daquele grupo, para substituir Neymar mostrou-se equivocada, embora seja
impossível atribuir a isso a diferença entre os dois times. Nem se uma equipe profissional jogasse com 10 durante 90 minutos seria tão fragilizada.
Não se sabe se o Brasil do futuro
será diferente, mas aquele de 2014 mostrou durante toda a Copa do
Mundo, fragmentos de despreparo técnico, tático e emocional. Reclamavam
quando se falava em “Neymardependência”, mas estar em campo naquele
time, olhar para o lado e não acha-lo, mostrou-se um fardo pesado demais
para as limitações dos companheiros.
Nessa tarde histórica, a Alemanha classificou-se para a final contra Argentina ou Holanda, que disputam a outra semifinal no dia seguinte. O perdedor do jogo de São Paulo
enfrenta o Brasil, sábado, na capital federal, pelo terceiro lugar. Uma
posição que poderia ser honrosa, mas que a Seleção tornou vexatória.
Fernandinho se pendura na rede depois de mais um gol da Alemanha: maior vexame da Copa (Foto: AP)
Em 2014, a Fifa tinha um tempo limite
para a execução dos hinos. O brasileiro era cortado pela metade, mas a
torcida nos estádios segurava o canto durante toda a primeira parte. Os
alemães ouviram o brado mais retumbante do que nunca. Com a camisa de
Neymar nas mãos, David Luiz e Julio César cantaram a plenos pulmões. Um
espetáculo tão bonito que até Neuer, goleiraço alemão, aplaudiu de
braços erguidos.
Dali para frente, só
mesmo os europeus mereceram palmas. Vestidos com um uniforme que fazia
referência ao Flamengo, eles demoraram mais de três minutos para terem a
bola dominada no campo de ataque e passaram os outros 42 fazendo o que
queriam.
Recordista: Klose comemora 16º gol em Copas, um à mais que Ronaldo (Foto: Getty Images)
Em 18 minutos, a Alemanha fez cinco gols. É verdade.
Müller, o gol histórico de Klose, duas vezes Kroos e Khedira deixaram o
país atônito. Eram gols de tabelas, toques rápidos, de uma seleção que
jogava por controle remoto
contra outra de chumbo nos pés. Numa rara tentativa de ataque do
Brasil, Bernard, 1,66m de altura, trombou em Neuer, 1,93m. Metáfora
perfeita da diferença entre os dois lados.
As lágrimas tão
polêmicas dos olhos dos jogadores brasileiros já eram vistas na
arquibancada, nas crianças, nos adultos, numa geração que não mais
precisaria ler sobre o Maracanazo depois de viver aquela tarde. Vaias,
ofensas e policiais correndo para todos os lados, inibindo brigas, foram o retrato melancólico do fim do primeiro tempo.
Precisava ter?
Felipão trocou Hulk e Fernandinho por Ramires e Paulinho. Certamente para impedir um desastre maior e
sem
esperança alguma de empate. Como seria disputar 45 minutos sabendo que
não havia mais nada a fazer? O Brasil, teve, ao menos, um início digno.
Neuer fez quatro ótimas
defesas em conclusões de Ramires, Oscar e duas de Paulinho. O chute sem
qualquer força de Fred, centroavante de apenas um gol na Copa até a
semifinal, desencadeou a revolta do público. No banco estava Jô,
atacante do Atlético-MG, mas em quem Felipão demonstrou não ter a menor
confiança para mudar qualquer cenário.
O meia Willian já estava
à beira do campo para substituir Fred quando viu a Alemanha, no ritmo
dos leves treinos que marcaram toda a preparação brasileira durante a
Copa, já se poupando para a final, marcar o sexto: Schürrle, parceiro de
Willian no Chelsea. Sob qualquer ótica havia um requinte de crueldade.
Schürrle comemora o sexto gol sobre o Brasil, enquanto Julio César lamenta (Foto: Reuters)
Se o centroavante
brasileiro foi vaiado até quando apareceu no telão, o alemão saiu
aplaudido por quem vestia amarelo. O Mineirão reverenciou o histórico
Klose. Justo.
Schürrle ainda fez outro, o mais bonito da partida. E sobrou a Oscar balançar a rede para o Brasil, aos 45. O gol do fiapo de honra que sobrou à Seleção.
Schurrle comemora, e Julio César engatinha para longe da meta (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Devem dizer até hoje, tempo em que você pesquisou esse texto na internet,
que seria diferente com Neymar e Thiago Silva, grande zagueiro, capitão
que estava suspenso. É possível que fosse mesmo. Mas se Barbosa sofreu
por tanto tempo, esses 23 jogadores e essa comissão técnica
serão lembrados para sempre como protagonistas de uma humilhação sem
igual. Ou coadjuvantes, se quisermos valorizar ainda mais o timaço
alemão. Uma geração que vinha de duas eliminações em semifinais – uma
delas em casa, porém com luta e hombridade – e persegue o título com
afinco.
A Alemanha, que já havia
jogado bola com índios, cavalgado, caminhado na orla e cantado hinos
dos clubes brasileiros, segue levando a Copa como uma "brincadeira".
Pode ser que o destino dessa jovem geração do Brasil reserve glórias
semelhantes, mas se livrar do 8 de julho de 2014, que terminou com
gritos de olé dos brasileiros para a Alemanha, será tarefa inglória.
globoesporte.globo.com
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