Alex, de 8 anos, era espancado repetidas vezes para aprender a ‘andar como homem’.
A tragédia começou a ser delineada aos poucos. Em Mossoró, segunda
maior cidade do Rio Grande do Norte, Digna Medeiros, uma jovem de 29
anos que vive da mesada de dois salários-mínimos dada pelo pai, começou a
ser pressionada pelo Conselho Tutelar porque não mandava seu filho
Alex, um garoto franzino, que não aparentava seus 8 anos, à escola.
Ameaçada de perder a guarda, mandou o menino para o Rio para que ele
morasse com o pai. O encontro da criança tímida com o pai desempregado,
que já cumprira pena por tráfico de drogas, não poderia ter sido mais
desastroso. Horrorizado porque Alex gostava de dança do ventre e de
lavar louça, Alex André passou a aplicar o que chamou de “corretivos”.
Surrava o filho repetidas vezes para “ensiná-lo a andar como homem”. No
último dia 17, iniciou outra sessão de espancamento. Duas horas depois,
Alex foi levado para um posto de saúde. Parecia desmaiado, com os olhos
grandes, de cílios longos, entreabertos. Mas não havia mais o que fazer.
Estava morto.
As sucessivas pancadas do pai, provocadas porque
Alex não queria cortar o cabelo, dilaceraram o fígado do garotinho. Uma
hemorragia interna se seguiu, levando o menino, que também gostava de
forró e de brincar de carrinho, a óbito. Apesar de a madrasta, Gisele
Soares, que socorreu o enteado, afirmar que ele tinha desmaiado de
repente, os médicos da UPA de Vila Kennedy desconfiaram logo de
violência doméstica. O corpo de Alex, coberto de hematomas, era um mapa
dos horrores que ele vinha passando. O laudo do Instituto Médico Legal
descreve em muitas linhas todo o sofrimento: a criança tinha escoriações
nos joelhos, cotovelos, perto do ouvido esquerdo, no tórax, na região
cervical; apresentava também equimoses na face, no tórax, no supercílio
direito, no deltoide, punho esquerdo, braço e antebraços direitos, além
de edemas no punho direito e na coxa direita. A legista Áurea Maria
Tavares Torres também atestou que o corpo magricelo apresentava sinais
de desnutrição.
O posto de saúde chamou o Conselho Tutelar de
Bangu, providência que nenhum vizinho do menino havia tomado. Alex
morava com o pai, a madrasta e outras cinco crianças num casebre na Vila
Kennedy, uma área sem UPP, onde três facções rivais travam uma guerra.
Não se sabe se a lei de silêncio, que costuma imperar onde traficantes
atuam, contaminou quem vivia nas casas próximas, ou se ninguém realmente
sabia do que se passava no imóvel de três cômodos.
- Eu nunca
escutei nada. Eu mal via o menino. Pensei até que ele já tivesse voltado
para o Nordeste. Só os outros filhos saíam de casa. Acho que ele vivia
em cárcere privado - diz a vizinha Wandina Ribeiro.
No depoimento
que o pai, apelidado pelos vizinhos de “monstro de Bangu”, deu à
polícia, há uma pista de que o menininho podia, de fato, sofrer os
maus-tratos calado: “Enquanto batia, mais irritava o fato de ele não
chorar, o que fazia o depoente crer que a lição que aplicava não estava
sendo suficiente e que, por isso, batia mais e mais”.
Um dos
conselheiros tutelares de Bangu, Rodrigo Coelho, diz que vai pedir à
polícia que investigue se Alex vivia em cárcere privado. Se os vizinhos
dizem não saber de nada, no colégio tampouco desconfiavam do que Alex
passava em casa. Matriculado em maio de 2013 na Escola Municipal Coronel
José Gomes Moreira, também na Vila Kennedy, o garoto era considerado
calmo, obediente e inteligente. Teve ótimo desempenho no ano passado:
nota 88 no segundo bimestre, primeiro que cursou no local, nota 100 no
terceiro, e 90 no último. Este ano, não apareceu, mas os funcionários
não se preocuparam: em janeiro, Alex André fora à unidade pedir a
documentação escolar, dizendo que o filho voltaria para Mossoró.
O
menino afetuoso, que se dava bem com os colegas, é descrito de forma
bem diversa pelo pai. No depoimento à polícia, Alex André, que teve a
prisão temporária decretada no último dia 19 pela juíza Nathalia Magluta
e foi levado para o Complexo de Gericinó, disse que o filho “era de
peitar”, “partia para dentro de você”. Segundo policiais que investigam o
caso, a frieza de Alex André impressionou quem assistiu ao depoimento.
Ele negou ter tido a intenção de matar, mas insistia que o filho tinha
que ser “homem”.
Homofobia já tinha feito assassino rejeitar outra criança
Ninguém
sabe dizer - como se isso tivesse alguma relevância - se Alex era
realmente afeminado. Mas não faltam relatos de como o pai do menino era
homofóbico. Sobrinha do assassino, Ingrid Moraes diz que Alex André era
“cismado com essa coisa de homossexual” e rejeitava o filho mais velho,
de 12 anos, por achá-lo pouco másculo. O menino, que morava numa rua
próxima com a mãe, conta que a relação com o pai, que ele mal via, era
cheia de segredos.
- Eu cuido da casa, mas ele nem sabia. Não acho
nada demais, mas ele não aceitava muita coisa — diz o garoto, que
escapou por pouco de ser surrado. - Uma vez, ele tentou, mas meu tio me
defendeu.
Se poupou o filho mais velho, o mesmo não pode se dizer
de outros parentes. Ingrid conta que já apanhou de Alex André, que
também atacou a própria mãe
Se, em família, Alex André resolvia
muita coisa no braço, na rua ele fazia valer sua condenação por tráfico
de drogas (cumpriu pena por quase quatro anos) para amedrontar a
vizinhança. Sem emprego fixo e vivendo de bicos, costumava consumir
drogas no meio da rua e, se alguém reclamasse, dizia para não se meterem
com ele.
Gisele, a mulher de Alex André, não tem sido mais vista
na Vila Kennedy. Ela abandonou o lar no dia seguinte à morte do
enteado, quando vizinhos ameaçaram linchá-la e atear fogo ao imóvel. À
polícia, ela confirmou as palavras do marido e disse ser contrária aos
castigos físicos.
Digna Medeiros, a mãe de Alex, garante que Alex André nunca foi violento com ela:
-
Se soubesse, não teria deixado o Alex vir para o Rio. Ele era minha
vida, nunca pensei que isso pudesse acontecer, meu Deus. Preferia que
tivesse sido comigo.
Perguntada se o filho nunca havia se queixado do pai, Digna contou que só falara duas vezes com ele nos últimos nove meses.
-
Eu liguei no dia que ele foi para o Rio com a aeromoça e falei também
quatro dias depois. Ele disse que estava tudo bem. Depois, não consegui
mais falar com o celular do pai dele. Entrei em contato com o irmão do
Alex André pelo Facebook e ele disse que estava tudo bem. Confiei,
afinal ele era tio do meu filho - diz.
Digna resolveu acompanhar
de perto o desenrolar do caso. Deixou o bebê de 8 meses com amigos em
Mossoró. O filho de 3 anos mora com os avós paternos. O mais velho, de
15, que ela não vê desde neném, ela quer encontrar no Rio.
- Tive ele muito nova, com 14 anos, não tinha a cabeça que tenho hoje. Deixei ele com o pai, lá em Honório Gurgel - diz Digna.
Digna
e o conselheiro tutelar foram os únicos que participaram do enterro de
Alex. Mas a cena do menino no caixão branco, de blusinha listrada, ainda
marcado pela violência, foi tão forte que levou pessoas de quatro
velórios que eram realizados ao lado a sair de suas capelas para abraçar
a mãe.
Fonte: O Globo
Postar um comentário