‘Na campanha, deveria prevalecer o embate objetivo de ideias e perspectivas’, diz Eugênio Aragão.
Não são as milícias, muito menos os traficantes. Nem mesmo o
financiamento irregular das campanhas, o chamado “caixa 2”. O que
realmente vai tirar o sono da Procuradoria Geral Eleitoral nas próximas
eleições de outubro é o ataque pessoal entre os candidatos. Em
entrevista ao GLOBO, o vice-procurador Eleitoral, Eugênio Aragão, revela
que o “ambiente de tensão” entre os concorrentes será o maior desafio.
Segundo ele, o Ministério Público “deve evitar se transformar em mais um
componente de tensionamento“.
- Na campanha, deveria prevalecer o
embate objetivo de ideias e perspectivas, mas infelizmente parece que
os confrontos se concentram muito nos aspectos subjetivos, pessoais -
afirmou Aragão.
No cargo desde 17 de setembro do ano passado, Eugênio Aragão disse que
o fato de os pré-candidatos condicionarem suas agendas em ritmo de
campanha deve ser visto com “naturalidade”:
- Ninguém é candidato
de uma hora para outra. Parece lógico que haja o jogo de articulações
prévias para viabilizar as candidaturas e também parece lógico que a
imprensa acompanhe esse jogo de articulações atentamente.
Leia a entrevista na íntegra:
O que mais preocupa o senhor nesta eleição? Por quê?
O
que mais preocupa é o ambiente de tensão que se desenha nas diversas
frentes de candidatos. Na campanha, deveria prevalecer o embate objetivo
de ideias e perspectivas, mas infelizmente parece que os confrontos se
concentram muito nos aspectos subjetivos, pessoais. É claro que essa
característica do atual processo político aumenta o risco de incidentes
de maior magnitude, invadindo a seara penal e de vedações eleitorais.
Manter o ambiente eleitoral seguro e tranquilo, com garantia do livre
debate de ideias e programas e com igualdade de chances entre os
candidatos é nosso maior desafio. O Ministério Público deve evitar de se
transformar em mais um componente de tensionamento desse ambiente,
agindo com equilíbrio e não aceitando ser instrumento de embate
interpartidário. Sua missão não deve se confundir com a agenda dos
candidatos e sua intervenção deve ser transparente e certeira. E por
isso que estamos trabalhando.
Os pré-candidatos à
Presidência da República e aos governos estaduais já estão nas ruas em
ritmo de campanha. Como fiscalizá-los antes do período permitido por
lei?
Os movimentos dos potenciais candidatos devem ser
vistos com naturalidade. Ninguém é candidato de uma hora para outra.
Parece lógico que haja o jogo de articulações prévias para viabilizar as
candidaturas e também parece lógico que a imprensa acompanhe esse jogo
de articulações atentamente. Apesar disso, é vedado, neste momento, o
pedido de votos, a promoção pessoal e atos de propaganda propriamente
ditos. O Ministério Público Eleitoral está atento em todo o Brasil para
evitar esse tipo de campanha precoce e, se necessário, serão propostas
as ações respectivas para evitar quaisquer desvios. É claro que tudo
isso deve ser contrabalançado com a consciência de que a comunicação de
ideias e críticas, mesmo numa perspectiva da futura eleição, é
inevitável. A garantia da liberdade de expressão dos pré-candidatos de
um lado e a necessidade de se coibir, de outro lado, a propaganda
prematura, é um equilíbrio difícil entre valores importantes, e que será
a nossa preocupação constante.
As recentes infrações cometidas por pré-candidatos demonstram que este problema está banalizado? Por quê?
Até
agora, todas as representações feitas por um grupo contra outro têm
sido rechaçadas, no que diz respeito à atuação de pré-candidatos
presidenciais. Por outro lado, a relativa maior exposição de candidatos
que ocupam cargos executivos é natural, o que não significa que o
Ministério Público não esteja atento a abusos que possam eventualmente
ocorrer. Essa exposição, aliás, tem sido compensada largamente pelo
noticiário equilibrado na mídia, que tem tratado os pré-candidatos, em
geral, de forma bem igualitária. Nos estados, as Procuradorias Regionais
Eleitorais estão vigilantes, tendo sido propostas várias ações por
desvirtuamento da propaganda partidária e também ações por propaganda
eleitoral extemporânea.
Áreas dominadas por milicianos e
por traficantes são sempre um problema no período eleitoral. Qual será o
seu trabalho em relação a isso? Haverá medidas concretas? Quais?
A
segurança das eleições é tratada em nível estadual. Se o executivo
estadual, as Procuradorias Regionais Eleitorais e a Justiça Eleitoral
detectarem dificuldades para garantir a segurança do pleito, poderão
pedir a presença da Força Nacional. Por enquanto, se está a observar o
cenário e o trabalho é de articulação com os Procuradores Regionais
Eleitorais, que não hesitarão em pedir ajuda se necessário.
O que o senhor pretende fazer para combater o financiamento irregular de campanha?
Nós
sabemos que esse é um ponto sensível na campanha, mas eventual
irregularidade é muito difícil de se identificar com os mecanismos
tradicionais, como a mera fiscalização nas prestações de contas dos
candidatos, por exemplo. Normalmente o Ministério Público atua quando
tem notícia de uso indevido de recursos públicos ou irrigação de
campanhas com ativos de origem duvidosa. Para o êxito desse trabalho,
torna-se imprescindível o contato permanente com autoridades policiais e
de inteligência financeira, o que já ocorre, mas que pretendemos
intensificar. A fiscalização de contas eleitorais deverá contar com uma
ação concertada entre os procuradores regionais e promotores eleitorais
em todo o país, com o apoio do Banco Central e do COAF (Conselho de
Controle de Atividades Financeiras). Ainda não temos a alimentação
eletrônica online das planilhas de entradas e saídas, mas estamos
trabalhando nisso. Ponto positivo dessa articulação desenvolvida em
conjunto com os Procuradores e Promotores eleitorais foi o combate à
doação eleitoral acima dos limites fixados em lei, que gerou milhões de
reais em multas pelo descumprimento em todo o país.
Os
Tribunais Regional Eleitorais (TREs), na sua opinião, têm condições para
fiscalizar as irregularidades? Por quê? O que deveria ser feito para
resolver este problema?
O esforço de fiscalização das
eleições deve ser conjunto, pois o Brasil é um país de dimensões
continentais. Todos têm um papel: a Justiça Eleitoral, o Ministério
Público Eleitoral, a Polícia Federal e, especialmente, os eleitores. A
Justiça Eleitoral exerce o poder de polícia administrativo, mas que
obviamente não transforma o juiz eleitoral em inquisidor. Cabe ao
Ministério Público Eleitoral receber as notícias de irregularidades e
propor as ações que acarretam sanções, respeitando o devido processo
legal e o papel imparcial do juiz. A Polícia Federal tem um papel
importante na área eleitoral, especialmente na apuração de condutas
opacas como o “caixa 2” e a “compra de votos”. Finalmente, não se pode
desprezar o auxílio fundamental do eleitor. Esse é o fiscal mais
eficiente, porque imbatível em capilaridade, sendo parceiro constante do
Ministério Público Eleitoral. Devemos trabalhar com campanhas
educativas para estimular essa participação fiscalizadora.
Fonte: O Globo
Postar um comentário