Heberson Oliveira,
30, foi acusado de estupro, foi preso e depois inocentado, mas perdeu a
vida. Hoje vagueia como uma sombra sem vida
Vidas Roubadas. A história de Heberson de Oliveira, 30, preso inocentemente por estupro. (Márcio Silva)
No dia 18 de maio de
2006, ao sair de sua cela e cruzar os muros da Cadeia Pública
Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, Heberson Oliveira, 30, achou tudo
estranho. O sol estava alto, mas não era o calor que lhe incomodava.
Aquele era seu primeiro dia de liberdade após dois anos e sete meses na
prisão. Nem ele acreditava mais que isso um dia pudesse acontecer.
- Eu já tinha perdido as
esperanças de sair da cadeia vivo. A minha cela já estava virando a
minha casa - conta Heberson, quase cinco anos depois, sentado na cama
tubular cor de vinho de seu irmão mais novo. Heberson Oliveira é o rosto
de um silencioso drama brasileiro: o das vidas roubadas pela lentidão
da Justiça. Foi preso em novembro de 2003, suspeito de ter estuprado uma
menina de nove anos de idade. Ele negou ter cometido o crime e disse
que sequer estava em Manaus na época em que tudo ocorreu.
Mesmo sem nenhuma prova
material ou testemunhal que o incriminasse, foi indiciado, denunciado e
transferido para a Unidade Prisional do Puraquequara (UPP). Só dois anos
e sete meses depois de ter sido preso é que Heberson foi julgado e,
finalmente, considerado inocente.
Mas a sentença que o pôs
em liberdade não foi suficiente para lhe fazer um homem completamente
livre. Heberson foi estuprado pelos “xerifes” da cadeia e contraiu o
vírus da AIDS.
- Eu fui violentado lá
dentro. Na hora do desespero, não vi quantos eram. Só queria que aquele
sofrimento acabasse. Agora, essa doença vai me acompanhar pelo resto da
vida. Eu estou condenado à morte. A Justiça roubou minha vida - desabafa
tentando disfarçar o constrangimento evidente no queixo tremido.
Paradeiro
Para encontrar Heberson é
preciso paciência. Depois que saiu da cadeia, ele morou durante algum
tempo na casa de sua mãe, mas depois de três crises de depressão, se
entregou às drogas e saiu de casa.Tentou alguns empregos, mas não se
firmou em nenhum lugar.
- É difícil alguém
oferecer emprego para um ex-presidiário e um aidético. Algumas pessoas
me ajudaram, mas aí vieram as depressões. Eu vivo cuspido pela sociedade
- diz chorando.
Heberson, que tinha o
corpo firme e o rosto limpo antes da prisão, agora parece uma sombra.
Emagreceu pela doença e pelo vício. A barba cresce e o cabelo
encaracolado escapa pelas laterais de um boné esfarrapado. Dorme sob
marquises, em terrenos baldios ou construções abandonadas na periferia
de Manaus.
Quase todos os dias, ele
vai à casa de sua mãe, Maria do Perpétuo Socorro, 51, em uma rua
estreita e esburacada do bairro Compensa II, na Zona Oeste de Manaus.
Caminha lentamente pelas ladeiras do bairro e, aos poucos, a gritaria na
mercearia ao lado da casa de sua mãe vira cochicho. Atento, ele percebe
que os olhos se voltam em sua direção; abaixa a cabeça e continua a
andar.
Ao fim da tarde,
Heberson deixa a casa da mãe. Carrega um saco plástico com roupas sujas e
objetos catados na rua. Maria, pela janela, olha o filho indo embora
mais uma vez, sem muito o que fazer. E Heberson, sem paradeiro definido,
desaparece na rua sem saber quando ou se vai voltar.

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